Crítica: Anon (2018)
Apesar da irregularidade em sua carreira, o roteirista e diretor Andrew Niccol pode ser considerado um nome importante quando falamos de ficção científica. É dele o excelente Gattaca: A Experiência Genética (Gattaca, 1997), produção que discutiu de maneira pioneira sobre a genética e o papel do DNA humano como catalisador de um futuro totalitário e repressor. Niccol emendou em seguida o roteiro do fantástico O Show de Truman (The Truman Show), filme dirigido pelo australiano Peter Weir em 1998, e que também tem um pé na sci-fi.
Niccol porém derrapou feio em alguns projetos ao longo da carreira, como o equivocado Simone (2002), protagonizado pelo grande Al Pacino, e o péssimo A Hospedeira (The Host, 2013), baseado no best-seller de Stephenie Meyer, autora da saga Crepúsculo. Houveram também acertos, como os excelentes O Senhor das Armas (Lord of War, 2005), um dos últimos bons filmes da carreira de Nicolas Cage, e Good Kill: Máxima Precisão (2015), filme que como poucos equilibra o conflito militar moderno com o peso da nova tecnologia que o cerca. Mais precisamente, os drones. Em 2011, Niccol voltou a abordar o gênero que o consagrou com o irregular O Preço do Amanhã (In Time), filme que apesar da ideia engenhosa, não se coloca entre os melhores do diretor.
Neste 2018, Niccol retorna à ficção científica no thriller Anon (ALE, 2018), nova produção exibida no Festival de Toronto, o Tiff 2018, e que foi adquirida pela Netflix pela bagatela de U$4 milhões. Anon retrata um futuro próximo onde a privacidade e o anonimato simplesmente não existem mais, já que os mesmos foram eliminados pelo governo. O mesmo governo que agora exerce total vigilância sobre o público, além de auto-censura.
Neste futuro, memórias privadas/pessoais são gravadas e o crime praticamente deixa de existir (Minority Report, alguém?). Neste peculiar cenário, o detetive Sal Frieland (o sumido Clive Owen, de Closer: Perto Demais e Filhos da Esperança), que investiga uma série de assassinatos sem solução, acaba topando com a informação sobre uma bela e misteriosa mulher (Amanda Seyfried, do citado O Preço do Amanhã), que parece ter subvertido o sistema e conseguido desaparecer. Ao descobrir que a garota não tem identidade, histórico ou ficha policial, Sal constata que sua investigação sobre os assassinatos está apenas começando, e que para salvar sua própria vida, precisa de qualquer maneira encontrar a garota.
Assim como fez em Gattaca e Good Kill, Niccol aborda um tema tecnológico atual e relevante, principalmente depois da descoberta do escandaloso vazamento de informações de usuários do Facebook para favorecer campanhas eleitorais, além da constante utilização de aplicativos para celulares, redes sociais e games, que ao “plugarem-se” nos aparelhos, provavelmente passam a entregar massivas quantidades de dados pessoais para companhias tecnológicas que prometem não explorá-los ou usá-los com propósitos pérfidos. Ah tá… como se pudéssemos acreditar nisso. Este tipo de monitoramento não-oficial ao qual o indivíduo está sujeito hoje em dia, já é suficiente para nos fazer pensar em abandonar esta rede de informações e simplesmente sair do radar, e Anon de certa forma fomenta este pensamento.
O problema é que ao se assistir o filme, fica a impressão de que Niccol conduz um episódio preguiçoso e meia-boca da série Black Mirror. Ao contrário do que fez em seu recente Good Kill, Niccol apenas toca a superfície de uma boa ideia, ao invés de abraçar sua complexidade. No caso de Anon, fica nítido que Niccol tentou capturar a essência dos recentes escândalos envolvendo a privacidade em torno das mídias sociais e transformá-la em um neo-noir, com resultados decepcionantes.
Apesar de sua forte dupla de protagonistas e sua boa ideia central, Anon não oferece nada de intrigante à seu público, e termina por ser mais um thriller mediano dentre tantos outros com o selo Netflix, e infelizmente, mais um trabalho aquém do que Niccol é capaz de oferecer como cineasta. Melhor ficar fora do radar deste aqui.
Anon estreia HOJE (04 de Maio) no catálogo da Netflix.
Um filme que tinha tudo para dar certo, mas vou apagar da memória por ser tão “sei lá”.
Penso que filmes são como qualquer outra coisa que fruímos, e sujeitos ao particular momento em que são fruídos.Talvez o autor da crítica não estivesse em um bom momento ao assisti-lo, ou talvez o filme não tenha atuado em seus captores de serotonina satisfatoriamente. Concordo, no entanto, com a opinião do crítico que talvez o diretor tenha desperdiçado uma boa idéia, porém reputá-lo como um sucedâneo “preguiçoso” da série Black Mirror, é ser um pouco draconiano. O filme talvez não surpreenda muito pela sua própria atmosfera anódina (que reflete a própria distopia de um mundo onde, em não havendo anonimidade, atinge-se o paroxismo da anonimidade), habilmente instilada pela fotografia tipo filtro de Instagram e um timing arrastado e insosso…porém há alguma substância nas ironias e paradoxos que a própria idéia de transparência e total falta de privacidade estimulam a refletir. A direção de arte, um pouco calcada no anterior Gattaca, é um deleite para quem conhece e aprecia arquitetura,e também arte, nesse ponto também no componente excessivamente visual dessas artes (mas, afinal, é de visão que se trata a estória). Enfim, mesmo que o desenlace da trama seja o comercialmente fácil final feliz, absolvendo a culpabilidade da mocinha – o que sempre é palatável para as platéias norte-americanas – o filme deixa questões suficientemente abertas, para que possam ser objeto de reflexão. Não recomendável para quem só procura entretenimento.