Marisa Ferrari entrevista Claudio Tozzi

Uma vida inteira dedicada à arte, desde o pioneirismo na Pop Art da década de 1960, quando tudo começou, até a atualidade. Claudio Tozzi é uma das maiores referências das artes plásticas do Brasil. Com um currículo recheado de exposições individuais e coletivas, nacionais e internacionais, diversas Bienais e a conquista de muitos prêmios.

Ele acredita que a arte deve ter uma comunicação maior com as pessoas: ”não deve ficar presa em museus, galerias e instituições de ensino. Ela deve ocupar as ruas, praças, edifícios e a vida das pessoas”.

Várias obras do artista podem ser vistas compondo a paisagem em espaços públicos de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Na conversa deste sábado vamos saber menos sobre o artista e mais sobre o ser humano, Claudio Tozzi.

– Claudio Tozzi por Claudio Tozzi…

Sou mais introspectivo, um pouquinho tímido. Nunca fui de falar muito, gosto mais de ouvir. Penso muito, reflito antes de fazer alguma coisa. Procuro não me envolver muito emocionalmente, ter certo distanciamento afetivo. Quando penso sobre a vida me emociono de saber que já não tenho mais tanto tempo… A vida está tão gostosa!

 

 

– Você é descendente de italianos. Conte as memórias de infância, da relação com sua família. Que influência recebeu em casa?

Tenho uma relação familiar bastante forte. Uma família muito unida. Fazia questão de almoçar em casa. Esse convívio era muito gostoso. Somos três irmãos. Meu pai era mais introspectivo, minha mãe mais expansiva. Era uma convivência muito prazerosa. O meu pai tinha vários amigos pintores, a casa era cheia de quadros. Tinha um vizinho húngaro, amigo do meu pai, que era pintor e eu sempre olhava ele pintar, com vontade de um dia fazer a mesma coisa. A arte no meu colégio era muito valorizada e comecei a me destacar já na escola.

 

 

– Fale mais desse menino. Quanto dele ainda guarda no seu coração? Ser artista plástico era um sonho desde criança? 

Tinha uma atitude contemplativa e isso cultivo até hoje. Sinto ele comigo. O mesmo olhar de uma criança que está descobrindo as coisas. A mesma atitude, só que mais elaborada. Também gosto de brincar com os outros, fazer piada. Sempre tive o desejo de ser artista plástico e também sempre gostei de carros.

 

– Recebeu apoio desde o início para seguir a carreira?

O meu pai reclamou um pouco quando decidi por artes plásticas. Ele queria que eu trabalhasse com arquitetura. Fiz faculdade de arquitetura, não tinha de artes plásticas, mas tive professores artistas que foram muito importantes.

 

 

– Geralmente ligamos arte à emoção. Mas parece que seu processo de trabalho é bem pensado, você já sabe exatamente o que quer e como vai fazer para alcançar o resultado imaginado. É isso mesmo? Na vida pessoal a razão também prevalece?

Nunca chego numa tela em branco e começo a colocar uma cor. Já tenho o modelo e vou executando. Durante a execução têm algumas alterações e tem uma pequena parte emocional também. Na medida do possível a razão sempre prevalece, mas não é possível em tudo. No amor não dá pra racionalizar, mas procuro sempre refletir. Não tomar o caminho errado. Uma proteção ao medo. Tento evitar, me precaver. Uma situação de limite emocional é uma encrenca. Tento ver o que fazer para diminuir as consequências.

 

 

– A criatividade e o processo de escolha, curadoria de obras para exposições, fazem parte da sua vida profissional. É de ter arrependimento por escolhas feitas na vida?  

Essa atitude contemplativa que tenho desde criança ajuda na escolha das obras. Esse desenvolvimento do olhar. Isso passa um pouquinho pra vida, mas aí têm os desejos, as fantasias. Na vida não dá pra ter esse controle. Já fiz escolhas erradas, mas aí a consciência só vem depois. Você escolhe uma coisa e perde outras. A reflexão que faço é mais sobre as perdas, pra que não se repitam. O que você ganhou você viveu.

 

– O que te inspira? Quem e quais são suas fontes de inspiração no trabalho e na vida?

Sempre que você está começando uma fase nova é uma inspiração grande. Os desafios no começo preocupam, mas te inspiram a continuar em busca de elementos novos. Fico dois, três dias vendo exposições. Observando o material, os detalhes. Um painel em relevo. É sempre como se estivesse começando, claro que às vezes a inspiração para, quando você está meio triste. Renovar a linguagem é sempre uma busca, meios novos de lidar com a imagem, com a comunicação visual. Na vida também é tudo muito ligado. Têm algumas inquietações, menos tempo de vida, a morte menos distante.

 

– Como lida com o sucesso? E a crítica já incomodou muito ou ainda incomoda?

Fico contente com o sucesso, mas não ligo muito, não me atrapalha. Gosto de reconhecimento, mexe com a vaidade, mas não tem um deslumbre. Agrada, mas não interfere nas atitudes. A crítica já incomodou em alguns momentos, mas outras me ajudaram muito. Eu leio crítica de outros artistas que tenho afinidade de linguagem para ver o que posso aprender com aquilo. Na vida consigo lidar bem com as críticas e com as pessoas. Fico com um pouco de raiva, mas depois elaboro isso.

 

– Maior conquista profissional e pessoal?

A que fiquei mais contente foi quando me convidaram para expor em Londres, há uns três anos, com trabalhos da fase pop. A vida que eu levo é uma conquista boa. Não tenho muita queixa. Fiz uma escolha de vida mais livre, sem família, filhos. Isso já incomodou, mas hoje acho que foi uma opção boa. Poder ter 73 anos e sentir essa satisfação.

 

 

– Sua arte continua refletindo o contexto social? Quais elementos podem ser vistos nos trabalhos atuais?

Não, agora não faço com essa intenção. Podem ter alguns elementos simbólicos, mas nem tenho percepção disso. Ela é mais ligada à arquitetura, aos espaços. É uma obra mais aberta. O espectador que vai concluir a obra.

 

 

– Tem uma obra preferida? Qual obra mexeu mais com seu ego?

Tenho. A “Veja o nú”, uma arte objeto, de 1968, com elementos populares e eruditos. Sinto orgulho de ter feito. É uma linguagem revolucionária. Tem também os trabalhos da Bienal de Veneza, de 1976. A “Grama, terra, céu”. Era a primeira manifestação na arte ambiental.

 

— Você viaja muito pelo Brasil e pelo mundo. Dá pra falar em rotina?

Viajo sempre em função do trabalho, mas depois aproveito. Não é bem uma rotina, porque ela não se repete sempre. Quando estou em casa, gosto de acordar cedo, tomar café em padarias, sair com os amigos.

 

 

– Além de frequentar muitas exposições e participar ativamente do universo das artes, quais são seus outros interesses? O que gosta de fazer?

Gosto de trabalhar em silêncio e ouvir música quando estou lendo. Livros relacionados à arte e psicologia são os que mais me interessam. Gosto de cinema também. Já selecionei alguns filmes que quero assistir agora no Festival de cinema italiano do centro cultural Banco do Brasil.

 

 

– Você também é professor. Essa função enriquece sua vida e seu trabalho como artista? Como é essa troca com os alunos, muito aprendizado de ambas as partes?

Aprendo sempre. O padrão dos alunos é muito bom. Fazem um trabalho de vanguarda que me dá coragem de fazer também.

 

 

– Qual sua mensagem para aspirantes a profissão? Sobreviver de arte no Brasil é uma “arte”?

Primeiro precisa estudar. Tem que ter conhecimento, curso universitário, método de pesquisa, se situar na linguagem da arte. Tentar achar sua linguagem pessoal.

 

 

– Planos, sonhos, desejos para realizar?

Estou fazendo a série “Territórios”. São demarcações dentro das telas de cor, de forma, que remete aos espaços físicos da arquitetura, da cidade. Quero continuar a levar meu trabalho para fora do país. Conquistar outros públicos. Gostaria de mostrar na Itália.

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