Priscilla Ávila conta o final da história: Como Sorrir?

O silêncio nunca fora real para Carla. Por mais inaudíveis que parecessem suas ações, sua mente sempre esteve numa grande e barulhenta praça de alimentação de shopping. Uma das vozes mais gritantes dessa multidão a convenceu que o corpo que avistara naquele quarto, artificialmente desiluminado, era uma mera inibição lateral de sua retina, figurando lençóis e travesseiros à anatomia de seu amigo. “Seu melhor amigo”, outra voz dizia.

Carla avançou mais um pouco, abriu a janela. A iluminação penetrou seu coração ao ver todos aqueles retratos colados na parede. A luz, que tinha percorrido todos os pontos daquele pequeno cômodo, também alcançara sua mente. Sinestesicamente, ela ouvia vozes que outrora não entendia. Os gritos de sua memória foram silenciados pela devotada consternação de sua existência. Agora, a praça de alimentação estava em pleno horário de almoço.

“Oi, como você está? Não sei mais de você, nunca mais te vi, nunca mais soube notícias suas. Seu quarto está aqui do mesmo jeito que da última vez”. Dizia ela com uma voz enfraquecida pelo aviltamento de sua consciência.

“Dona Carla, era só você me ligar. Tenho trabalhado muito. Tem só seis meses que não nos vemos também, não faça tanto drama! ”. Ele respondeu.

“Falo com você todo dia pelo WhatsApp da família, você que nunca fala nada”. Carla continua.

“Enviar vídeos e imagens com mensagens não é falar. A gente nunca fala. Mas não se culpe, eu não te culpo. Também não me culpe”. Ele continua.

“Tantas coisas aconteceram de ruim esses meses e eu só agora percebi como eu te esqueci meu filho. Você era meu colega de quarto, meu amigo, meu tudo… ” Carla Chora.

“Dona Carla, eu ainda sou. Mas eu tinha que aprender a ser responsável pela minha própria vida e também você ser responsável apenas pela sua. Você tem seguido seu caminho e eu o meu. Cada um está nesse mundo para ser aquilo que é, tentar buscar sua própria essência e não desejar ou se culpar por aquilo que é do outro. Isso não é verdadeiro e não te fará feliz. ”

“Henrique você é mais inteligente que eu e seu pai juntos. ” Carla Brinca.

“Cada um tem sua inteligência e seu valor na vida, mãe. Meu papel nesse mundo não é igual ao seu ou ao do meu pai. Não sou melhor ou pior. Somos diferentes. Temos que respeitar. Eu acho que eu não te respeitei e você também não me respeitou. Eu entendo e acho que você também entende. É preciso respeitar a nós mesmo e essa é a minha busca atual. ” Henrique desliga, mas não antes de falar de como amava a mãe apesar de tudo que passaram. Ele nunca falava de amor com ela. E ela nunca tinha pedido para ele falar. Viveram juntos, mas separados por muito tempo, porque sempre tinham ‘o tempo’. Quando Henrique foi embora percebeu que não teria mais esse tempo, porém o ego, tão covarde quanto orgulhoso, o impedia de ao menos telefonar para sua mãe quando precisou partir.

Carla desligou o telefone, mas a voz de seu filho ainda estava reverberando em suas entranhas, era mais forte que sua mente. A multidão parecia ter finalmente silenciado. Seus pensamentos estavam dançando os hinos de amor que a voz de Henrique sussurrara. Carla dançou.

Um novo som passava pelo quarto. Eram notificações de suas redes sociais. Carla pegou o celular e viu uma mensagem com o título ‘Como Sorrir? ’. Carla não quis ler, apagou a mensagem, silenciou o celular e saiu do quarto.

A chuva parou, a energia voltou. Carla quis aproveitar o silêncio.

Carla não pensou, apenas sorriu.

 

Blindness or boisterousness?

Saccadic movements building you when you you are not here

Mind screaming despair

Body making no swing

I reached you by the light

The lateral inhibition was gone

I can see you clearly when the silence comes

Synesthetic sensations built you when you were not here

And you are real now

Building me

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